TECNOLOGIA NA REDE PÚBLICA DE ENSINO: INCENTIVO OU DESCASO?



Na década de 90, como aluna e docente do ensino público estadual, acompanhei a implantação das salas de informáticas nas escolas e o medo da direção escolar em disponibilizar esse recurso aos alunos. A sala de informática impecável tornou-se o principal objetivo pedagógico, deixando em segundo plano a inclusão digital dos alunos e do corpo docente. Sem função pedagógica, os equipamentos eram disponibilizados apenas aos docentes e funcionários que possuíam aptidão com o equipamento.
Nesse momento, muitos devem presumir que se trata de um cenário do passado, representando um momento crítico da implantação da tecnologia na rede pública de ensino e que atualmente vivemos numa era de incentivo da inclusão digital nas escolas. Então, segue alguns dados para apoiar sua reflexão: segundo a pesquisa da TIC Educação 2015[1], um total de 22% dos diretores da rede pública de ensino estadual e municipal consideram importante gerar ações de integração da prática pedagógica com o uso de computadores mas... apenas 16% desenvolvem novas práticas de ensino com o uso de computador e da internet e uma pequena parcela de 2% desenvolvem atividades com foco nas habilidades técnicas dos alunos com o uso da tecnologia. Em relação aos coordenadores pedagógicos, 75% discutem com os professores sobre o uso dos computadores e da internet na prática de ensino e 51% desenvolvem ações para conscientizar os pais do uso da internet dos filhos (TIC Educação, 2015). 
A pesquisa comprova o incentivo modesto do uso da tecnologia nas escolas públicas como prática pedagógica e evidência o temor da gestão escolar com a entrada desses recursos em sala de aula. Observe que não estamos avaliando as condições de infraestrutura ou políticas de incentivo, mas refletindo sobre a crença dos principais agentes educacionais que poderiam dar boas-vindas para tecnologia nas escolas.
O gestor escolar deve exercer um importante papel de articulador do trabalho pedagógico e facilitador da educação inovadora em toda escola, mas, para isso, é necessário conhecimento, informação e espaço para debater (VILLAS BOAS, 2010). Mas, será que a gestão escolar possui uma base para evoluir com o tema nas escolas?Disponibilizar tecnologia nas escolas envolve aspectos técnicos como: hardware adequado (computador, tablet ou celular), software licenciado, conexão de internet de no mínimo 78 megabits, de acordo com as referências do próprio MEC (2017), equipe de manutenção e educadores qualificados com a infraestrutura disponível. Oferecer suporte para toda essa cadeia tecnológica é fundamental para que os agentes públicos responsáveis por essa frente tenham o entendimento mínimo para investir adequadamente em tecnologia de forma massificada na rede de ensino.
Nas escolas públicas, os programas federais e estaduais incentivam a aquisição de hardware e banda larga; porém, o acesso adequado de internet por aluno não é contemplado na implantação da tecnologia nas escolas. Segundo a FOLHA SÃO PAULO (2016), a velocidade da internet nas escolas públicas é de apenas 3% do índice considerado ideal pelo MEC, inviabilizando assim a utilização deste recurso na escola.
O Estado reconhece a tecnologia como meio integrado a práticas educacionais e formação do cidadão brasileiro quando sancionou a lei no Art.26[2] do Marco Civil da internet:
“O cumprimento do dever constitucional do Estado na prestação da educação, em todos os níveis de ensino, inclui a capacitação, integrada a outras práticas educacionais, para o uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o exercício da cidadania, a promoção da cultura e o desenvolvimento tecnológico”. (BRASIL, 2014)

Nas políticas públicas podemos citar algumas iniciativas de incentivo ao uso da tecnologia na escola, como: o PROINFO (Programa Nacional de Tecnologia Educacional), vinculado com o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) do Ministério da Educação, que tem como objetivo qualificar os professores da rede pública de educação básica para o uso da informática como prática pedagógica (FNDE, 2017). O PROUCA (Programa um computador por aluno), com objetivo de promover a inclusão digital de professores, alunos da rede pública federal, estadual, municipal, distrital, municipal e nas escolas sem fins lucrativos que atendam pessoas com deficiência. O REICOMP (Regime especial de incentivo a computadores para uso educacional) e outra iniciativa em conjunto com MEC (Ministério da Educação), Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Ministério das Comunicações e Ministério do Planejamento é o Programa Banda Larga nas Escolas, lançado em 2008 com objetivo de conectar as escolas públicas urbanas à internet (MEC, 2017).
Com o apoio da iniciativa privada, o Programa Escolas Rurais Conectadas surge em 2012 com objetivo de disponibilizar infraestrutura tecnológica para as escolas rurais a nível Brasil, através da criação dos laboratórios de tecnologia digital e da qualificação dos professores em cursos online,visando ensinar práticas pedagógicas inovadoras para o uso da tecnologia na educação (Fundação Telefônica, 2017).
As ações mencionadas representam um pequeno recorte do fomento ao uso da tecnologia nas escolas pela iniciativa pública e privada; o incentivo maior se dará a partir do conhecimento e envolvimento dos principais agentes envolvidos na educação pública, tais como a sociedade, a escola, a família e o aluno.
A UNESCO, visando apoiar a formulação das políticas públicas educacionais, em 2014 formulou as “Diretrizes de políticas para aprendizagem móvel”, uma iniciativa com apoio de especialistas de 20 países para construção de aplicações pedagógicas da pré-escola até a formação profissional, recomendando aos formadores de políticas públicas educacionais que:
“evitem a proibição plena do uso do celular sendo esse ato um instrumento grosseiro que inibe a inovação e aprendizagem, capacitem os professores para a prática pedagógicas por meio da tecnologia, promovam o desenvolvimento de conteúdos educacionais digitais, aprimorem as condições de conectividade nas escolas, promovam o uso responsável da tecnologia móvel, apliquem a tecnologia como ferramenta de apoio a gestão educacional e estimulem o diálogo sobre aprendizagem móvel (UNESCO, 2014).”

O fato inegável da tecnologia estar presente em todos os setores da sociedade comprova uma necessidade real da inserção de tecnologia nas escolas como apoio à formação de um cidadão competente, com habilidades técnicas e capacidade de interação humana (BASTOS,2000).



[1] Pesquisa TIC Educação 2015, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. Base: 898 diretores. Respostas estimuladas. Dados coletados entre setembro e dezembro de 2015. p.449.
[2]Lei Federal Nº 12.965, de 23 de Abril DE 2014, sanciona o Marco Civil da Internet no Brasil.



REFERÊNCIAS 
BARROS, J. N. S. Educação a distância. Democratização e utopia na sociedade do conhecimento. 1. ed. São Paulo: Papirus, 2015.

BASTOS, J.A.A. (Org.). Educação Tecnológica: imaterial e comunicativa. Curitiba: Cefet-PR, 2000. (Coletânea Educação e Tecnologia).

BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL. Celulares – Brasil registra 241 milhões de linhas móveis em operação em setembro de 2017. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/institucional/component/content/article?id=1805> Acesso em 09 de Novembro de 2017.

BRASIL. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal – 2015. Acesso em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99054.pdf>Acesso em 09 de Novembro de 2017.

BRASIL. Lei nº. 12.295, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Brasília, DF. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm> cesso em 09 de Novembro de 2017.

BRASIL. Ministério da Educação - MEC. Programa Banda Larga nas Escolas. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/par/193-secretarias-112877938/seed-educacao-a-distancia-96734370/15808-programa-banda-larga-nas-escolas> Acesso em 09 de Novembro de 2017.

BRASIL. FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.PROINFO –Programa Nacional de Tecnologia Educacional. Disponível em:<http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/6429-proinfo-programa-nacionalde-tecnologia-educacional> Acesso em 09 de Novembro de 2017.

CGI.br. TIC Educação 2015 - Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e comunicação nas escolas brasileiras. São Paulo: CGI.br, 2016

COUTINHO, G.L. A era dos smartphones: um estudo exploratório sobre o uso de smartphones no Brasil. Brasília: UnB – Universidade de Brasília –Faculdade de comunicação social, habilitação em publicidade e propaganda, 2014.

D’IMPERIO LIMA, A. L. O.Usodas TIC na Educação: Inclusão ou Exclusão Digital? In: COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL – CGI.br. Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias de Informação e da Comunicação no Brasil – TIC Educação 2012. Coord. Alexandre F. Barbosa. SãoPaulo: CGI.br, 2013

EAESP. 28ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas. FGV-SP. Disponível em: <http://eaesp.fgvsp.br/ensinoeconhecimento/centros/cia/pesquisa> Acesso em 19 de Novembro de 2017.
FUNDAÇÃO LEMANN.Coursera – Abrindo as portas das melhores universidades do mundo para você. Disponível em: <http://www.fundacaolemann.org.br/coursera-brasil/> Acesso em 09 de Novembro de 2017.

KHAN ACADEMY. A nossa missão é proporcionar uma educação gratuita e de alta qualidade para todos, em qualquer lugar. Disponível <https://pt.khanacademy.org/about> Acesso em 09 de Novembro de 2017.

VEDUCA.org. Quem somos. Disponível em https://veduca.org/p/quem_somos Acesso em 09 de Novembro de 2017.

VILLAS BOAS, Projeto de intervenção na escola: mantendo a aprendizagem em dia.

STEMBYME. Catalogo de cursos. Disponível em: <https://www.stembyme.com/web/guest/outros-pt>  Acesso em 09 de Novembro de 2017.
ScolarTIC. Formação. Disponível em: > Acesso em 09 de Novembro de 2017.

VALIENTE, O. 1-1 in Education: CurrentPractice, InternationalComparativeResearchEvidenceandPolicyImplications. OECD EducationWorkingPapers, n. 44. Paris: ECD Publishing, 2010. Disponívelem: . Acesso em: 20 nov. 2017.

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